quinta-feira, 18 de julho de 2024

A Parábola do Joio

Martinho Lutero

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é

semelhante ao homem que semeia a boa semente no seu campo;

mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no

meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou,

apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter

com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu, no teu campo,

boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um

inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois

que vamos arrancá-lo? Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao

colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai

crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos

ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o

queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.

(Mateus 13:24-30, ACF)

1 E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em março/2008.

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I. O próprio Salvador explicou essa parábola no mesmo capítulo,

mediante solicitação de seus discípulos, e disse: O que semeia a boa semente, é

o Filho do homem; e o campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do

reino; e o joio são os filhos do maligno; o inimigo, que o semeou, é o diabo; e

a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos. Esses sete pontos de

explicação compreendem e claramente apresentam o que Cristo quis dizer

com essa parábola. Mas quem poderia ter descoberto tal interpretação, visto

que nessa parábola ele chama as pessoas de semente e o mundo de campo,

embora tenha, na parábola anterior a essa, definido a semente como sendo a

Palavra de Deus e o campo as pessoas ou o coração das mesmas? Se Cristo

mesmo não tivesse interpretado essa parábola, todo o mundo teria imitado a

Sua explicação da parábola precedente, e considerado a semente como sendo

a Palavra de Deus, e assim, o objeto e o significado pretendido pelo Salvador

teria sido perdido.

2. Permita-me fazer uma observação aqui, para o benefício do sábio e

erudito que estuda as Escrituras. Imitação ou suposição não são permitidas na

explicação da Escritura; mas a pessoa deveria e deve estar certa e firme. Assim

como José em Gênesis 40:12s interpretou os dois sonhos do copeiro e do

padeiro tão diferentemente, embora se assemelhassem, e não fez de um a

cópia do outro. É verdade, o perigo não teria sido grande se a semente fosse

interpretada como a Palavra de Deus; mesmo assim, tivesse esse sido o caso, a

parábola não teria sido entendida corretamente.

3. Ora, esse Evangelho nos ensina como o reino de Deus ou o

Cristianismo acontece no mundo, especialmente por causa do seu ensino, a

saber, que não devemos pensar que somente os cristãos verdadeiros e a pura

doutrina de Deus habitarão sobre a terra; mas que deve haver também cristãos

falsos e hereges, para que os cristãos verdadeiros possam ser aprovados,

como S. Paulo diz em 1Co. 11:19. Pois essa parábola não trata de falsos

cristãos, que são tão artificiais em suas vidas, mas daqueles que são anticristãos

em sua doutrina e fé sob o nome de cristão, que belamente

desempenham o papel de hipócrita e causam danos. É uma questão da

consciência, e não da mão. E eles devem ser servos muito espirituais para

serem capazes de identificar o joio entre o trigo. E a suma de tudo é que não

deveríamos nos maravilhar nem ficarmos aterrorizados, se entre nós se

espalham muito falso ensino e falsa fé. Satanás está constantemente entre os

filhos de Deus (Jó 1:6).

4. Novamente esse Evangelho ensina como deveríamos nos conduzir

para com esses hereges e falsos mestres. Não devemos extirpar, nem destruílos.

Aqui ele diz publicamente para deixar que cresçam juntamente com o

trigo. Temos a ver aqui apenas com a Palavra de Deus; pois nessa questão,

aquele que erra hoje pode encontrar a verdade amanhã. Quem sabe quando a

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Palavra de Deus pode tocar o seu coração? Mas se ele fosse queimado na

estaca, ou destruído de outra forma, poderíamos nos assegurar que nunca

descobriria a verdade; e dessa forma, a Palavra de Deus é arrebatada dele, e se

perde aquele que poderia ter sido salvo. Daí, o Senhor diz aqui, que o trigo

também seria arrancado se fôssemos tirar o joio. Isso é algo terrível aos olhos

de Deus, e nunca pode ser justificado.

5. Disso observemos quão extremos e furiosos temos sido esses muitos

anos, ao desejar forçar outros a crer; recebendo turcos com espada, hereges

com fogo, judeus com morte, e erradicando assim o joio com o nosso próprio

poder, como se fôssemos aqueles que podem reinar sobre os corações e

espíritos, e fazê-los piedosos e justos, algo que somente a Palavra de Deus

pode e deve fazer. Mas com assassinatos separamos o povo da Palavra, de

forma que não possa operar sobre eles; e trazemos assim sobre nós mesmos

um duplo assassinato, até onde reside em nosso poder, a saber, em que

matamos o corpo no tempo e a alma na eternidade, e com isso dizemos que

fizemos um serviço a Deus pelas nossas ações, e desejamos merecer algo

especial no céu.

6. Portanto, essa passagem deveria com toda razão aterrorizar os

grandes inquisidores e assassinos de pessoas, mesmo que tivessem que lidar

com verdadeiros hereges. Mas no presente eles queimam os verdadeiros

santos e são eles mesmos os hereges. O que é isso senão arrancar o trigo,

pretendendo estarem exterminando o joio, como pessoas loucas?

7. O Evangelho que lemos hoje também ensina com essa parábola que

nosso livre-arbítrio equivale a nada, visto que a boa semente é semeada apenas

por Cristo, e Satanás pode semear apenas a semente do mal; como vimos

também que o campo de si mesmo produz somente joio, que o gado come,

embora o campo os receba e fique verde, como se fossem trigo. Da mesma

forma, os falsos cristãos entre os verdadeiros não são de nenhuma utilidade,

senão para alimentar o mundo e ser comida para Satanás, e são tão belamente

verdes e hipócritas, como se fossem apenas os santos, e mantém o lugar na

Cristandade que pertence a eles; e por nenhuma outra razão senão esta: eles se

gloriam de ser cristãos e estar entre os cristãos na igreja de Cristo, embora

vejam e confessem que vivem vidas ímpias.

8. Nisso o Salvador retrata aqui também o espalhamento que Satanás

faz de sua semente, enquanto o povo dorme, e ninguém vê que o fez, e

mostra como Satanás se adorna e se disfarça para que não seja tomado como

Satanás. Como experimentamos quando o Cristianismo foi plantado no

mundo, Satanás colocou no meu meio falsos mestres. As pessoas pensam aqui

com segurança que Deus está entronizado sem um rival, e que Satanás está à

milhas de distância, e ninguém vê nada exceto como eles ostentam a Palavra,

o nome e a obra de Deus. Esse curso se prova belamente eficaz. Mas quando

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o trigo cresce, então vemos o joio, isto é, se formos cuidadosos com a Palavra

de Deus e ensinarmos a fé; vemos que ele produz fruto, então vagueia e o

antagoniza, e deseja se assenhorear do campo, e teme que somente trigo

cresça no campo, e seus interesses sejam ignorados.

9. Então a igreja e o pastor se assombram; mas não lhes é permitido

fazer julgamento, e avidamente desejam interpretar tudo como bom, visto que

tais pessoas portam o nome de cristãos. Mas é evidente que elas são joio e

semente perversa, se extraviaram da fé e caíram, confiando nas obras. Os

santos lamentam por causa disso diante do Senhor, orando com sinceridade

de espírito. Pois o semeador da boa semente diz novamente, eles não devem

arrancar o joio pela raiz, isto é, devem ter paciência, e suportar tal blasfêmia, e

encomendar tudo a Deus; pois embora o joio estorve o trigo, todavia, o

primeiro torna o último mais belo de se contemplar, comparado com o joio,

como S. Paulo também diz em 1Co. 11:19: “E até importa que haja entre vós

heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós”. Isso é

suficiente sobre o texto de hoje.

Fonte: Complete Sermons of Martin Luther,

 

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